quinta-feira, dezembro 15, 2011

Intermitente

As lojas estavam todas prontas para as festas de fim de ano e brilhavam intensamente. A árvore de Natal tinha três metros de altura, bolas vermelhas e douradas, presentes enrolados com papel colorido e um enorme emaranhado de luzinhas que chegavam até a estrela e sumiam de vista. Uma criança desejava um carrinho na base da árvore, um vendedor apareceu à porta e a convidou para entrar. Enquanto decidia se continuava seu caminho ou entrava na loja, as luzinhas piscavam sem parar.

Essa intermitência arrebatou seus pensamentos rotineiros carregados de estresse e a prostrou, deixando-a apenas ali, parada, admirando o que via. Esse pisca-pisca a encanta de uma maneira infantil, pura, genuína. É uma daquelas coisas que te fazem sentir bem, sem razão, sem motivo, um bem intermitente, como as luzinhas piscando.

É assim todo ano na época do Natal. Enfeitar a casa, montar a árvore com muitas bolas coloridas, festões, enfeites diversos, presentes e luzes, muitas luzes piscando sem parar se tornou parte dela. Não acredita em nada que norteia o Natal, não é por isso que gosta, mas porque lembra sua infância.

Nos dias que antecediam essa data especial, todos precisavam se reunir e programar a festa, os presentes, a árvore, era algo que faziam juntos. Nunca acreditou em Papai Noel, não cabia esse tipo de projeção nas suas crenças infantis. Era desnecessário, já conhecia o mundo real, então tudo era feito de uma forma diferente da que vemos nos filmes.

Para começar, a árvore não era comprada, nem os enfeites. Era uma tarefa dos homens a de encontrar um bom galho para transformar em árvore de Natal, tinha que ser um galho seco, grande e com muitas ramificações. Enquanto aguardavam o galho ser trazido, sua mãe e tias fabricavam os enfeites em casa, eram caixas de fósforos, de sapatos, de remédios, de todo tipo ou formato, que seriam embaladas com papel colorido e encheriam a árvore e o cantinho dos presentes. Costumavam guardar, durante todo ano, embalagens que pudessem servir, como pacotes vazios de café, lacres de latas de leite ou achocolatado em pó, fitas e papéis de presentes de outras ocasiões entre outras coisas. Tornavam-se bons enfeites, com um pouco de criatividade, e isto não faltava àquela família.

Quando finalmente conseguiam o galho ideal, grande, desfolhado e ainda forte, traziam para ser preparado. Mãos ágeis o envolviam cuidadosamente em algodão até ficar branquinho e fofo como se estivesse coberto de neve, penduravam-no de cabeça para baixo no teto por um fio de nylon e era ali que começaria a se tornar uma árvore de verdade. Não havia luzinhas piscando, não que se lembre.
Enquanto tentava alcançar uma caixinha de fósforos embrulhada em papel laminado vermelho para ser colocada na árvore, se esticava para abaixar a ponta do algodão que estava soltando. Ao mesmo tempo em que pegava um pedaço de fita para fazer um laço - precisava participar. Mas alguém sempre tomava da sua mão e a incumbia de cuidar dos menores, o que não a impedia de bisbilhotar até que tudo terminasse.

Depois de montada, com todos os enfeites pendurados e erguida como se flutuasse acima das cabeças, estava pronta e começaria a fase dos comes e bebes. Era tudo feito por todos, sempre. Cada um tinha sua especialidade gastronômica. Sua tia estava na fase final do seu conhecido rocambole de pão colorido, uma espécie de sanduíche feito em formato de rocambole, enrolado em papel celofane colorido, recheado com alguma maionese e cortado em fatias. Puxava-se a ponta do celofane e à medida que se comia, ia desenrolando. Lembra que o vermelho, fatalmente, acabava primeiro e que cada cor era um sabor. Era difícil tirá-la de perto da mesa nessa hora e uma mãozinha boba sempre atacava a bandeja. Era seu preferido.

No dia da véspera, acordava com o som das vozes de suas tias tagarelando na cozinha, sempre bem cedo. Ansiosa, a casa cheia, cheiro de comida boa, os últimos retoques ainda em construção, ouvia-se muitas gargalhadas entre conversas e brincadeiras. O chinelo engancha no seu dedão ao se apressar para levantar, não queria perder nenhum segundo da farra. O desconforto matinal que nos obriga a ir ao banheiro antes de qualquer coisa não a impediu de correr para se juntar aos outros. Seria um dia inteiro de muita diversão e ela não perderia nada.

As crianças tinham poucas preocupações, sua tarefa era brincar e esperar a chegada da noite, onde ganhariam presentes, comeriam guloseimas e brincariam mais. Sabiam que não seriam grandes presentes ou muitos, e que os mais novos ganhariam mais, porém, não se importavam.

Quando a noite chegava, a mesa posta, o cantinho dos presentes cheio (dos verdadeiros e dos falsos - para fazer volume), a árvore lá no alto, linda e exclusiva, a família toda reunida em volta, rindo muito, contando piadas, comendo, bebendo, tirando fotos, trocando presentes... Era Natal!

Aquela noite teria a duração de algumas horas para ela, sua roupa de festa não era nova, nem a do seu irmão ou primos, a casa era pequena e simples e os presentes eram exclusividade das crianças. Eles não tinham luzinhas piscando, não tinham peru, presentes caros, ou uma pomposa guirlanda pendurada na porta. Não possuíam pinheiros comprados em lojas, bolas coloridas reluzentes, ou uma grande estrela brilhante no alto da árvore.

Nada disso fazia parte de seu mundo e não precisava fazer e, ela não sabia ainda, mas foram os melhores Natais que tivera.

Para muitos, aquela noite era só um motivo para festejar, para eles talvez fosse apenas um ritual, entretanto para ela era o Natal, desses que vemos nos filmes.

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