quinta-feira, julho 29, 2010

Carnavalizou - é permitido pecar?


Já ouviu falar em Fastelavn, Saceias, Saturnália ou Entrudo? E Carnaval, já ouviu?

A origem do Carnaval é pagã, a própria palavra quer dizer “retirar a carne” ou se abster da carne, do latim, carnis levale. O objetivo dessa celebração sempre foi o de purificar os pecados, ou pecar o bastante para não o fazer o resto do ano. Nas suas diversas variações de tempo e lugar, seu propósito fora celebrar a fertilidade, se preparar para a quaresma ou saudar a natureza. A Igreja católica, por considerá-la uma festa profana, a incluiria ao calendário cristão, na tentativa de submetê-la aos dogmas religiosos.

Era na antiga Babilônia que aconteciam as Saceias, festividades onde os papéis se invertiam e os condenados ocupavam o lugar dos reis por alguns dias e estes, por sua vez, se subjugavam aos deuses.

Em Roma, haviam as Saturnálias e Lupercálias, onde os senhores e escravos trocavam de lugar. Na Escandinávia, existe até hoje a Fastelavn, festança com fantasias, comilança e muita diversão pelas ruas. No Brasil, haviam os Entrudos, trazidos pelos portugueses, que consistia em jogar farinha nas pessoas pelas ruas e brincar.

A festa do carnaval nos dias de hoje

O Carnaval de hoje em dia encanta pela sua extravagância, por ter e manter tantas pessoas juntas durante tanto tempo, por reunir, em sete dias (ou bem mais), gente do mundo todo em uma só cidade e por tudo ser permitido, ou quase tudo.

É, também, uma festa multifacetada, na qual as pessoas seguem verdadeiros rituais, fantasiam-se, ingerem todo tipo de bebida, externam amor e ódio, pulam, dançam, correm, tomam chuva, dormem no chão, abraçam (e beijam etc.) desconhecidos e retornam a sua condição primária, selvagem e atávica.

Definamos. São as sensações e atos que praticamos sem pensar, que apenas sentimos e simplesmente fazemos. E nesses dias específicos, elas podem.

O folião se despenca até lá de qualquer maneira para adorar ao seu ídolo, vê-lo de perto e, quem sabe, tocá-lo. Por sua vez, as celebridades fazem jus a toda essa adoração, manifestando suas vontades e fazendo com que elas se cumpram pelos seus súditos afoitos e fiéis.

São danças, passos ensaiados e verdadeiros gritos de guerra repetidos pela grande massa que se conglomera em torno dos trios elétricos e abaixo dos privilegiados que os assistem. Sem falar nos blocos de trio, onde a utopia desse culto ao profano atinge seu ápice e a multidão se entrega à loucura.

Imagine as mais libidinosas necessidades básicas inerentes aflorando e mostrando-se diante de tanto primitivismo. Tudo impregnado nesse grande show, nessa mega manifestação de desejos, secretos ou não. Naqueles momentos todos são iguais, não existe raça, cor ou credo que os distinga.

Camarote ou pipoca?

É claro que estou falando de uma maneira geral, e não dos blocos, camarotes, mezaninos, e diversos outros lugares onde os privilegiados se aglomeram e segregam o povo.

"Seus filhos erravam cegos pelo continente,
Levavam pedras feito penitentes,
Erguendo estranhas catedrais,
E um dia, afinal, tinham direito a uma alegria fugaz,
Uma ofegante epidemia, que se chamava carnaval,
Ó carnaval, ó carnaval."
Chico Buarque


Seria uma tentativa inconsciente de catarse social?

Penso que toda essa descrição do Carnaval lembra muito a forma como viviam nossos ancestrais em suas tribos e agrupamentos, civilizações que já desapareceram com o passar dos séculos, mas que estão presentes até hoje em momentos como esse.

Ocorre desde a adoração de ídolos em altares, passando pelas vontades cumpridas pelos súditos e danças, rituais e devoção sagrada até as formas de caracterização dos povos. Onde cada grupo pintava-se e enfeitava-se de forma diferente, utilizando adereços artesanais que muito se parecem fantasias dos carnavais contemporâneos. E que hoje chamamos de primitivos ou selvagens.

Podemos dizer que é um retorno às origens. É onde deixamos aflorar nossos instintos primários latentes e reprimidos pela sociedade moderna. É como exprimimos tudo que sentimos enquanto animais bípedes famintos. O que desejamos fazer, mas não podemos durante o resto do ano, coibidos pela moral e preceitos da civilização a qual fazemos parte.

Todo ser humano tem no seu âmago um pouco do que fora há milênios e, inconscientemente, deseja externar esses sentimentos e sensações tão confusos e tão comuns e o fazem durante o Carnaval. Ele retorna à sua condição de origem e, deliberadamente, sente-se aliviado.

Desprende-se de tudo que o exacerba e, assim, despeja naqueles sete dias de luxúria, aquilo que carregou e internalizou durante toda sua vidinha diária civilizada, morna, politicamente correta, pacata e medíocre.

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