domingo, maio 30, 2021

Aquele dia

Naquele dia, não queria nada. Abriu os olhos como faz todos os dias, cambaleou entre pia, box e guarda-roupas e saiu.

O show estampado no outdoor, que não a interessava, continuava na esquina do seu trabalho. O bom dia foi menos intenso e o café, inútil. Também não esperava por nada.

Rotinas cumpridas meio que no automático, maldades esbarrando na sua indiferença, pessoas indo, vindo e rindo. Entre um relatório e uma decisão, risos intermináveis, interrompidos apenas pelo seu estômago, maldito. Já não lamentava nada.

- Posso seguir o GPS? Pergunta o motorista.
- Pode, claro.

Entrar por aquela rua significava fugir dos semáforos, uma pressa que ela não queria, mas tinha.

Entre escada e elevador, pegou o mais rápido. A essa altura, não pensava mais em nada. E não precisava, não naquele dia.

Então, o boa noite foi mais intenso e o vinho, infalível.

domingo, fevereiro 21, 2021

Coronavírus - 2020 foi um ano perdido ou deu pro gasto?


A Covid-19 começou quietinha, lenta, sorrateira e totalmente desacreditada. Ela foi avançando, tomando conta de estados, países, continentes, até virar mocinha e se tornar uma pandemia de verdade. Confesso que não acreditava nela, mas já a temia.

Num piscar de olhos, vimos, em pleno século XXI, uma pandemia tomar corpo e ameaçar tudo que conhecíamos e amamos nessa vida. Foram projetos, viagens, relacionamentos, vidas, promessas, famílias inteiras e, de repente, tudo que nos guiava virou de cabeça para baixo.

A vida virou do avesso.


A pandemia na minha vida

Minha experiência particular com a pandemia não foi muito diferente da maioria das pessoas, mas foi minha, vou contar.

Não sou, exatamente, uma pessoa de fazer planos. Prefiro as surpresas. Mas, como todo mundo, preciso fazer alguns planejamentos e fiz.

Planejei muitas coisas para minha vida, minha carreira, meu aprendizado. Bom, não consegui concretizar nenhuma. Mas tomei a liberdade de encontrar novos objetivos.

Veja, não mudei a minha maneira de pensar ou quem eu sou - ou acho que não, apenas atualizei desejos.

Para começar, precisei reformular todos os processos de trabalho que minha equipe e eu conhecíamos. Tudo, absolutamente tudo, sofreu algum tipo de modificação. E não foi fácil, mas conseguimos. Alguns deles, devo manter assim, outros, retornarão ao antigo normal.

Posso dizer que tive momentos confusos, complicados, irracionais até, mas aprendi a lidar com tudo isso. Minha equipe e eu conseguimos superar o ano de 2020 e nosso trabalho surtiu o resultado esperado. Primeiro, porque nos preocupamos com as pessoas, pensamos em tudo de forma direcionada para garantir o mínimo necessário, já que atuamos na área de saúde.

Segundo, porque somos uma equipe e agimos como tal. Nós nos ouvíamos, nos entendíamos, conversávamos e chegávamos à conclusões que eram boas para todas as partes envolvidas. Nós lidamos, antes de tudo, com pessoas e com a saúde delas.

A lição que tirei disso foi que algumas pessoas costumam ter uma imensa resistência à mudanças. Elas são inteligentes, competentes e comprometidas com seu trabalho, mas resistem, insistentemente, às mudanças. Felizmente, acabaram percebendo a inevitabilidade do novo normal e aderiram.


Não estamos todos no mesmo barco

Penso que respeitar a individualidade de cada um fez toda diferença. Costumo ouvir muito que estamos todos no mesmo barco. Mas sabemos que não. Estamos todos na mesma tempestade, porém em embarcações diferentes.

Uns estão em navios, transatlânticos, outros em iates e lanchas particulares e, a grande maioria, está em pesqueiros, jangadas ou agarrados em troncos boiando na tempestade. Cada um irá superar essa tormenta de acordo com a embarcação que possui.

E foi entendendo isso que conseguimos direcionar e gerir as questões de cada um e manter o serviço eficiente e eficaz.

Meu trabalho tomou a maior parte da minha vida no ano em que o coronavírus dominou o mundo. Mas tenho e tentei manter minha vida pessoal ativa e feliz.


A pandemia no meu mundinho

Veja, não foi exatamente uma vida pessoal social, pois o isolamento demandava o contrário, mas foi possível extrair das decisões e atitudes algo que me faria bem.

Então, posso dizer que fiz coisas nessa pandemia, que não fazia há muito tempo.

Tive meu salário reduzido e precisei lidar com isso. Cortei supérfluos, parei totalmente de comprar e consegui, inclusive e felizmente, diminuir meus gastos mensais. Não posso dizer que tive muita escolha, mas percebi que posso viver assim.

Dentro de casa e com o celular na mão o tempo todo -  dando suporte para a equipe - resolvi não perder tempo. Não que o trabalho não me tomasse todo tempo do mundo e eu não tivesse trabalhado, efetivamente, mais do que em dias normais. No entanto, fiz coisas que não fazia mais e nem lembrava mais que gostava.


A pandemia no meu país

Claro que consegui fazer tudo isso porque pude manter meu emprego - pelo menos até agora. Não precisei correr atrás de trabalho ou qualquer serviço que pagasse minhas contas para sobreviver. Mas muitos não tiveram a mesma sorte e sinto muito por eles (sei bem o que isso significa, já estive lá).

Nessa lista, citei apenas as coisas boas que fiz, claro. Mas a intenção aqui é botar para fora, então vamos lá. Fiz muitas coisas negativas também. Como muitos, senti raiva por não ser capaz de fazer o que queria, me frustrei por não conseguir comprar o que precisava e fiquei triste por não poder estar com quem eu amo. Mas não me tornei uma hater.

Tive dias inúteis, noites mal dormidas e semanas inteiras de ansiedade. Uma angústia causada não apenas pela pandemia, mas pela falta de possibilidades, pelos objetivos postos de lado. Pelas pessoas que sofriam e morriam, pelo desgoverno do nosso país e o desespero que isso causava e causa.

Um país que já enfrentou tantos desmandes, corrupção, sobreviveu à escravidão, a uma ditadura, conquistou direitos, cresceu e possui os recursos necessários para ser imenso. É entristecedor acordar de manhã e ler as notícias, perceber que não existe cuidado por parte de quem deveria estar cuidando - comentário pontual, "talquei"?

Toda vez que achamos que esse maldito Covid-19 está indo embora, surge uma nova variável ou variante. Num momento em que o Brasil, "acima de tudo", precisa de amor e empatia, temos uma onda de ódio que se espalha cada vez mais. Um isolamento social que não é respeitado, uma vacina que não chega, um presidente que não se preocupa com seu povo e tripudia dele e uma vida que não segue.

Thomas Hobbes dizia que o homem é o lobo do homem e penso que cabe perfeitamente no cenário atual.


A terra plana não para de girar

Mas, apesar de tudo isso, a vida continua. Costumo dizer que o mundo - que não é plano - não para de girar para que as coisas voltem ao seu lugar ou se consertem. O tempo continua passando e não sei se perdemos o ano de 2020, mas sei que perdemos muitas vidas e pessoas queridas.

Isso significa que, apesar de qualquer coisa, precisamos prosseguir. Nossas vidas devem permanecer em contínuo movimento, temos que continuar crescendo, trabalhando, amando, rindo e chorando. E, definitivamente, buscando aquilo que nos faz bem.

Com esse desabafo, concluo que sobreviver à pandemia tem sido minha meta, manter um emprego e renda, uma necessidade. Buscar melhorar como pessoa, parceira, líder, amiga e profissional, uma alegria. Mas manter a paz vem sendo meu objetivo de vida, desde antes da pandemia.

domingo, janeiro 17, 2021

Uma noite, toda sua vida


Nunca fora uma princesinha, mas conheceu um sapo mesmo assim. Parecia-lhe difícil discernir os bons dos maus e foram tantos os elogios que, boba, caiu.

Era rechonchuda e as roupas quase nunca lhe caíam bem, achava. Queria sentir-se bonita, só isso. A indústria da beleza pode ser bem cruel. E foi.

Sozinha, apegava-se à sua pequena Ganesha, sempre pendurada com as chaves do cadeado da bicicleta e do armário da escola.  Acreditando não ter opção, aceitou.

Lembra-se somente de ter adormecido no carro dele. Atordoada, despertou com o orvalho frio sobre seu corpo inocente e desnudo. Ao seu redor, nada. Gritou.

Era tarde. Nada traria sua pureza de volta.

quinta-feira, janeiro 07, 2021

Fofoca - maldade ou desabafo?


Considero fútil toda e qualquer conversa que vise a julgar ou subjugar terceiros. Penso que cada um tem um histórico social, familiar, financeiro, econômico, amoroso etc. que direciona atitudes e comportamentos e justifica decisões e personalidade e, inclusive, momentos.

Vivemos num país que prega a cultura da meritocracia, onde mérito perde o conceito de merecimento e se transforma em uma espécie de seleção natural às avessas. Num mundo que sobrevive a base de padrões pré-estabelecidos e tudo que não se encaixa fica à margem, é de se esperar que o povo fale mal. O maldizer sobrevive da ignorância sobre si, sobre algo ou alguém.

“Você viu a roupa de fulano?”

“Olha como sicrana engordou!”

“Ouvi beltrano falando mal de você!”

Falar é uma dádiva, um meio de expressão, uma forma de comunicação, uma ferramenta de transformação de ideias, emissão de opiniões, de informação.

Um poeta exprime sentimentos ao falar, um ator interpreta papéis, um cantor transborda música, um locutor transfere sensações e momentos, o palhaço faz rir, o orador encanta, o político convence, o professor projeta conhecimento, as pessoas se comunicam e o povo, o povo fala. O complexo e incomparável ato de proferir palavras e formar frases conexas, ou não, deveria ser melhor utilizado, a meu ver.

No entanto, creio que a verdadeira razão da maledicência não é exatamente o que foge à regra, mas está diretamente ligada à autoestima, ou falta dela. Pessoas bem-resolvidas não falam mal de ninguém. Não perdem tempo criticando, apontando o dedo, especulando ou olhando para a grama alheia. Falar mal é, como dizem, “coisa de quem não tem o que fazer”.

Prefiro definir como “coisa de quem não tem o que ser”, isso mesmo, o que ser. Aquele que não sabe quem é, não se descobriu ainda, não se conhece o suficiente para se gostar ou se bastar, aquele que olha no espelho e não gosta do que vê, que se julga inferior ou ainda não amadureceu o suficiente para conceber quem é.

Ou alguém que está num momento da vida onde todas essas sensações florescem, não é necessariamente apenas falar mal, mas desabafar. Algumas pessoas encontram-se em um estado de estresse ou descontrole emocional causados por razões alheias e isso faz com que adotem comportamentos que, habitualmente, não teriam. E a válvula de escape é o mexerico, diminuir o outro o faz parecer um pouco maior e alivia temporariamente sua angústia ou dor.

Inveja, despeito, dor de cotovelo, ciúme, sentimentos que só se manifestam quando há comparação. Por mais inocente que pareça olhar o outro e imaginar se este é melhor ou pior, procurar defeitos que o façam parecer “menos melhor” e você se sinta “menos pior”, é o que traz à tona a necessidade de maldizer.

É, também, comumente utilizado como desabafo, segundo a ciência, como forma de colocar para fora algo que está lhe incomodando e que, nem sempre, tem a ver com o outro. Entretanto, pode estar ligado à inveja de algo que acredita que deveria ter sido seu ou à inércia a que você mesmo se submeteu e não consegue sair ou, até mesmo, à projeção de si mesmo, dos defeitos os quais tenta esconder e abomina tanto, que não consegue admitir e os aponta no outro.

Vez ou outra, é somente algo que realmente te incomoda e a sinceridade não seria exatamente elegante, então a detração é a melhor saída.

Enquanto desabafo, é extremamente útil para desintoxicar a alma, porém é preciso saber onde e para quem se fala, se dito para alguém de confiança ou que te conheça o suficiente para não fazer julgamentos ou disseminar o dito, é legal e até necessário, pois atua como um bálsamo, do contrário, é melhor guardar para si e rever suas prioridades e definições.

Quando se deixa de olhar para o lado e passa a observar sem se projetar, percebe-se que o outro está apenas vivendo a vida dele da melhor maneira que consegue e ninguém possui conhecimento o bastante para julgar ou condenar quem quer que seja.

O povo tem o direito de falar, a voz do povo tem força e precisa ser ouvida, mas se for para falar, que fale bem. Se a grama do vizinho é mais verde, significa que você está olhando demais para a grama alheia e deixando de molhar a sua.

Você é normal?


Você mudou? É hoje a mesma pessoa de uma década atrás? Evoluiu ou regrediu? Saberia dizer? Você é normal? Tornou-se diferente? Se sim, o que o fez mudar? A vida, os acontecimentos, os relacionamentos, você mesmo ou os dedos das pessoas apontados para você? As pessoas precisam, deliberadamente, criar sociedades, padrões, rotular todos e cobrar de quem pensa fora da caixa, é assim que se domina, e pode ser bem cruel com quem não está preparado. Você está?

Há os mais variados tipos de sociedades ao redor do mundo, a maioria são comunidades civilizadas, politizadas, religiosas/espiritualizadas ou não. Desde sempre, o mundo é protagonizado por rituais e práticas sistêmicas que fazem com que seus membros desejem se sentir incluídos, com direito a todos os ritos de passagem e modelos familiares/religiosos/sociais adotados. Todas as sociedades possuem costumes, convenções, leis a serem seguidas, cultura própria, religião predominante e política. Até aí, tudo bem.

As primeiras sociedades que se tem registro, surgiram no período Paleolítico, a 2,5 milhões de anos a.C. Funcionavam como pequenos agrupamentos de humanos que caçavam e colhiam o que fosse possível e levavam uma vida nômade. Já nessa época, havia regras simples como divisão entre caçadores, homens que caçavam animais, e coletores, mulheres e crianças que coletavam grãos, plantas, frutas e o que encontrassem. Eles precisavam sobreviver e, por isso, rateavam tudo que conseguiam e seguiam as regras.

O tempo foi passando, o homem começou a construir novas ferramentas, descobriu agricultura, a pecuária e houve a necessidade de morada fixa. Ainda viviam em pequenos agrupamentos, seguiam novas regras, formavam aldeias e construíam cabanas para fixar residência, família e começavam a eleger líderes para organizá-los. Se apegaram a divindades para explicar morte e forças da natureza que não compreendiam e, finalmente, a chegada da escrita tornou-os uma sociedade civilizada.

Hoje somos um povo civilizado, em sua maioria, e entendo que precisemos de ferramentas que nos mantenham como tais.

Não questiono aqui a existência de paradigmas, mas o dilema começa quando essas convenções instituídas, dogmas arraigados, padrões estabelecidos por um pequeno quórum e senso comum precisem se seguidos por todos piamente, sem questionar, sem interferir, sem entender.

Padrões preconceituosos, retrógrados, conservadores, geralmente pautados por quem domina ou pela religião vigente. Crenças passadas através de gerações, práticas pré-concebidas e muitas vezes seguidas por pura obrigação moral, social ou imposta pela própria família. Algumas totalmente violentas e abusivas, porém, tidas como sagradas pela cultura que as abraça.

A mutilação de genitália praticada em alguns lugares da África, por exemplo, não é apenas dolorida para quem a sofre, como também deixa sequelas para o resto da vida. São cortados os pequenos e grandes lábios e o clitóris com facas, muitas vezes, enferrujadas e sem esterilização e essas meninas nem sempre têm escolha. Algumas nunca mais sentirão prazer sexual ou terão filhos. É somente um exemplo que, para mim, brasileira, parece uma prática absurda, no entanto seus praticantes a consideram normal.

A psicologia fala sobre normose, que seria uma doença de ser normal. Significaria seguir regras, normas ou convenções instituídas por uma sociedade mesmo que se sinta mal, podendo ocasionar consequências nocivas, outras doenças ou até a morte. Quantas situações poderíamos classificar como normóticas hoje em dia? O que acontece na nossa sociedade atual que julgamos normal, entretanto pode ser nocivo? O que é normal? Tudo que entendemos como certo e que vemos todos repetirem? Tudo que vemos na TV? O que aprendemos na escola? O que não é normal?

Guerras travadas por diferenças ideológicas/religiosas, homossexuais espancados à luz do dia, negros e índios perseguidos e discriminados, estupros, terrorismo, extremismo religioso, raças inteiras de animais extintos pela caça esportiva, violência doméstica, tudo isso é normal? Em algum momento da história, algumas dessas práticas já foram. 

Suicídio de pessoas que não conseguiram se encaixar na sociedade em que vivem, que foram tão brutal e silenciosamente enxovalhadas pela família normal, os amigos normais, a sociedade normal, que não resistiram. Homens e mulheres que enlouqueceram pelo mesmo motivo, outros que se adaptaram à força e tiveram uma vida inteira infeliz. Vivemos em um mundo onde todos querem ser iguais a algum modelo, pois se não o forem, serão julgados.

É normal? Quantas convenções você já seguiu por ser convenção? O que você já se sentiu obrigado a ser por conta de uma norma social? Quantos amigos infelizes você tem sem nenhum motivo aparente? Você já foi questionado por ser ou estar diferente dos demais em algum aspecto, por mais ínfimo que lhe pareça? Quem você já teve que se tornar para não se sentir excluído? O que é ser normal? Você é normal?

domingo, janeiro 03, 2021

A cultura do estupro


O termo “cultura do estupro” surgiria entre os anos de 1960 e 1970, época de grandes mobilizações feministas nos EUA, Europa e, apesar do regime de Ditatura Militar instaurado no Brasil, aqui também tivemos diversas manifestações em favor da mulher.

O lançamento do livro da feminista americana, Susan Browmiller, Against our Will ("Contra nossa Vontade", sem tradução para o português), foi um marco na defesa dos direitos das mulheres. A feminista defendia a ideia de que o estupro não era algo ligado ao desejo sexual, mas ao poder e dominação. 

Antes disso, as mulheres estupradas eram consideradas culpadas e os homens, doentes. Elas precisariam provar que tentaram resistir ao estuprador e, dependendo da forma como se vestiam, podiam ser consideradas culpadas. Sua vida sexual pregressa também contava como fator atenuante, ou ainda o fato de ter vários parceiros poderia querer dizer que consentiam o ato. Havia ainda observações sexistas em livros jurídicos que diziam que a mulher “tem tendência a mentir” e, por isso, a denúncia não era levada a sério.

Isso há 40 anos.

Hoje, ainda vivemos a mesma cultura do estupro, as mulheres ainda são julgadas pelas roupas que vestem, pelo comportamento que adotam, pelos lugares que frequentam, pelo que bebem e até pela maneira como andam. Tudo isso pode ser considerado ‘motivo’ para o estupro. A sociedade entoa em alto e bom som: “Se estivesse em casa, não aconteceria isso! ”, “Se tivesse ido à Igreja, não aconteceria isso! ”, “Se não usasse roupa curta...”, “Se não bebesse...”, “Se...”, são muitos “Se’s”.

A sociedade brasileira é patriarcal por atavismo, existe uma ideologia de papéis de gênero arraigada de tal forma, que anos de debates feministas ainda não conseguiram desvanecer. 

As pessoas compactuam com essa cultura, às vezes, sem perceber. É a mídia, são as novelas, a publicidade, revistas, os padrões impostos nas entrelinhas, as personagens estereotipadas, uma tentativa de modelar comportamentos e adequar aos respectivos papéis de gênero. Onde o indivíduo precisa se adequar ao seu papel de homem ou mulher para que incidentes não aconteçam.

É a banalização da mulher, que é vista como objeto de desejo, um mero pedaço de carne suculenta que tem como objetivo satisfazer ao homem.

O estupro só passou a ser crime contra a dignidade e liberdade sexual a partir de 2009, até então era considerado crime de ação privada contra os costumes. Sim, contra os costumes.

Nesse caso, leia-se: crime contra os costumes machistas, pois era crime apenas no caso de um homem atentar contra uma mulher, e só era um crime pois feria os direitos de marido ou de pai do homem em questão. O fato de a mulher ter sido violentada só importava porque seria vergonhoso para o pai ou marido, não por ela ter sofrido. A lei mudou, mas a mentalidade geral, não.

Até quando?

Quantas de nós já não sentiram nojo por ouvir cantadas maldosas na rua, por ter sido bolinadas em transporte público? Ou nunca temeram ser simpáticas demais com um colega e ser mal interpretada ou trocaram de roupa por achar que aquela ficara muito curta ou justa ou decotada e tinham medo do que poderia acontecer?

As mulheres lutam pelos seus direitos desde sempre, lutaram pelo voto, lutaram para trabalhar sem permissão do marido, pelo direito ao divórcio, direito a assumirem cargos públicos, a usarem minissaia, direito a estudar, a criar seus filhos sozinhas, a pensar, a sair sozinhas, a dirigir, a ter sua própria conta em banco. 

E hoje, em pleno século XXI, ainda precisam lutar pela equiparação salarial, pelo direito a orientação sexual que quiserem, por poderem andar sozinhas nas ruas, por não serem estupradas - e poderem abortar caso sejam -, por não precisar ter filhos se não quiserem, por não querer casar, por não ser obrigadas a se adequar para estar inseridas. Não deveriam precisar.

A cultura do estupro só é possível onde há machismo, sexismo, onde as desigualdades entre os gêneros são tão grandes e patriarcais, que a desumanização da mulher se torne algo normal. A mulher não merece ser estuprada, ela não é um objeto, ela não pertence ao homem, ou à Igreja, ou à família, ou a ninguém.

Ela é um ser humano e não veio ao mundo para satisfazer aos caprichos de homens que precisam dominar para se sentirem homens. Sem generalizações, é claro!

quarta-feira, dezembro 30, 2020

Distúrbio do sono, eu tenho!


Se você passa seus dias sonolento, cochila sentado, lendo ou vendo TV, sente os olhos arderem como se tivessem cristais de vidro, tem seu humor facilmente afetado (mesmo sendo uma pessoa bem-humorada), come tudo que vê pela frente (principalmente à noite), sente dores no corpo, está sempre cansado e pega gripes e resfriados mais frequentemente do que o normal, bem-vindo ao grupo dos que não dormem.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 40% dos brasileiros sofrem de algum distúrbio do sono, eles são diversos e podem afetar sua vida pessoal, profissional e a saúde muito mais do que você imagina.

São listados oficialmente mais de 90 distúrbios do sono, entre eles dissonias (distúrbios ligados a problemas no sistema nervoso) e parassonias (distúrbios ligados a transtornos mentais e comportamentais), muitos conhecidos pela maioria como insônia, apneia do sono, narcolepsia, síndrome das pernas inquietas, sonambulismo e terror noturno e diversos outros que acometem um número menor de pessoas.

O fato é que as consequências de se dormir mal podem ser devastadoras e até elevar o risco de morte. Doenças como hipertensão, diabetes, obesidade, baixa imunidade que pode acarretar gripes, resfriados e infecções respiratórias, doenças cardíacas, depressão e até derrame cerebral. Todas têm tratamento, a parte mais difícil é descobrir que a possui e lidar com suas consequências até a cura.

A melhor maneira de investigar os sintomas, segundo especialistas, é procurando um médico e realizando exames específicos, dentre eles o mais eficiente é a polissonografia. Ele consiste em passar uma noite sendo monitorado por aparelhos que medem respiração, batimentos cardíacos, oxigenação do sangue e comportamento ao dormir, entre outras coisas. Muitas vezes a causa é outra doença que ao ser descoberta e tratada cessa o distúrbio, como doenças do estômago, por exemplo, que podem causar apneia do sono. E cuidado, os males que essas síndromes causam não são apenas físicos.

Incompreensão

As pessoas ao redor, sejam familiares, colegas de trabalho ou amigos, na maioria das vezes, não compreendem e costumam assimilar os sintomas com preguiça - no caso do cansaço - e sonolência excessiva e mau humor - no caso das alterações de comportamento. Elas comparam o quadro com uma noite mal dormida ou perdida em uma farra que tiveram, achando que no dia seguinte vai passar, mas não passa.

As pessoas que sofrem de uma dessas síndromes, geralmente terão uma queda no rendimento, seja nos estudos ou no trabalho, optarão por passar mais tempo em casa descansando e terão aumento de peso, pois uma das formas de compensar o organismo é ingerindo alimentos calóricos, principalmente à noite, quando o corpo está mais cansado.

Vida social

O fato de estarem sempre cansadas, faz com que sua vida social diminua consideravelmente, pois irão preferir dormir e descansar sempre que puderem. Os convites para sair, viajar e se divertir serão vistos como um estorvo e a negação será uma constante. Os finais de semana e feriados deixarão de ser uma oportunidade de conhecer novos lugares ou encontrar amigos e familiares e o lazer será deixado de lado, pois a única coisa que importa no momento é aproveitar o tempo livre para repor energias.

Autoestima

O mal dormir afeta também sua aparência, além do sobrepeso que já foi citado acima, noites mal dormidas atingem de forma negativa a pele, cabelo, causam olheiras, envelhecimento precoce e aparência cansada, afetando a autoestima. Isto também contribui para que a reclusão social se prolongue. Algumas pessoas podem chegar à depressão, não apenas por motivos ligados à aparência, mas por fatores neurológicos.

Tratamento

Esses distúrbios, quando diagnosticados, possuem tratamento e são curáveis. Algumas dicas a serem seguidas, segundo especialistas, enquanto a causa não é descoberta, é de ingerir alimentos leves antes de dormir. Também evitar bebidas como álcool, café, refrigerantes e chá preto perto da hora de deitar, praticar exercícios, elevar um pouco a cabeceira da cama, ter horário fixo para dormir e acordar, deitar-se na cama somente quando for dormir e evitar cochilos durante o dia.

É importante diagnosticar e tratar. No entanto, o mais importante é conseguir lidar tanto com as consequências físicas, quanto as psicológicas, pois independentemente de ser uma causa neurológica ou mental/comportamental, afeta a maneira como você vê a vida e como as pessoas te veem.

É um distúrbio, é tratável e não tem nada a ver com preguiça, frescura ou mal humor. Procure um médico.

Fontes: http://www.sono.org.br/ e http://www.einstein.br/

No site do Instituto do Sono, há um teste para medir o nível de sonolência durante o dia. Não é nada definitivo, mas serve como um termômetro para procurar um médico.

segunda-feira, dezembro 28, 2020

A menina que fugia


Conhecemos o contexto histórico por trás dos refugiados sírios, os relatos dramáticos, vemos imagens, lemos depoimentos, acusações, críticas, sugestões, questões políticas, religiosas e humanitárias, tudo isso tem sido mostrado pela mídia e está em todas as redes sociais. Muito sabemos sobre essa guerra civil que iniciou em 2011 e já matou milhares de pessoas, deixando mais de 4 milhões de refugiados, mas isso é só o que nos contam - ou vemos na TV, no conforto dos nossos sofás, longe da realidade cruel de uma guerra.

Imagine que você é uma criança de seis anos, uma menina comum, que frequenta a escola, tem amigos com os quais gosta de brincar, pratica sua religião e vive em paz com sua família em seu país de origem, a Síria. Sim, você é uma criança síria e vive lá, ou vivia...

Uma Síria governada com mão de ferro por Bashar al-Assad, eleito e reeleito há mais de três décadas. Um país marcado por conflitos há séculos, com um governo ditador, onde política e religião são motivos de revoltas. Uma região que foi sede de várias batalhas, foi dividida e unificada várias vezes, invadida e governada por diversos povos e que hoje é palco de um caos instaurado.

O povo sírio está cansado disso tudo, quer paz, alguns não conseguem compreender porquê seu país está em guerra e porquê precisam sair dele. Mas eles, os adultos, acompanharam os acontecimentos, nem todos sabem quando e como começou essa guerra, mas sabem que a vida que conheciam acabou. No entanto, você, a criança de seis anos, não.

Tudo que sabe é que, de uma hora para outra, não pode mais sair para brincar com seus amiguinhos, pois a praça onde se encontravam não existe mais. Que não pode mais ir à escola aprender a somar ou multiplicar, pois ela está debaixo de escombros. Que não consegue dormir à noite com medo dos bombardeios atingirem sua casa e machucarem a mamãe ou o papai, mesmo que nem saiba o significado da palavra “bombardeio” ainda.

Precisa viver presa dentro de casa com medo, medo de tudo. Aos seis anos, não sabe o que são e nem porquê acontecem essas lutas, mortes, tiros, bombas barulhentas. Tanta dor, sofrimento e um mundo inteiro vai ao chão, o seu mundo. Um mundo que você não reconhecerá mais quando crescer, se crescer. Sua identidade está sendo roubada, sua cultura dilacerada, suas raízes arrancadas da terra à força, e você nada pode fazer para estancar tanto choro jorrando.

A casa de sua família é atingida uma, duas, três, quatro vezes, destruída completamente, você se salva e foge. Muda-se para uma das tendas precárias improvisadas em meio a outras centenas de famílias que suplicam por piedade. Ferida, foragida, faminta, escondendo-se do horror impregnado na pele, na alma. Mas sabe que não pode ficar, não suportará muito tempo, o perigo ainda é iminente.

E agora, que não há mais como retroceder, que não há mais para onde ir, foge novamente. Só que, dessa vez, a única coisa que sabe é que está a caminho de algum lugar, qualquer lugar onde não existam esses barulhos horríveis ensurdecedores das bombas e, quem sabe, possa parar de fugir, voltar a brincar, e as coisas possam fazer sentido novamente. Você está indo embora do seu país sozinha e nada faz sentido.

Ela é apenas mais uma das milhares de pessoas que estão fugindo do país, que se aglomeram em navios, barcos, botes e outras embarcações que não suportam o peso de tanto desespero, gente que tenta, num golpe de sorte, encontrar gente que seja capaz de ajudar, pessoas devastadas de tanto se esconder e fugir da miséria que tomou sua terra natal, refugiados da atual guerra civil da Síria.

Essa criança não sabe o que é uma guerra, não o seu conceito, aquele que nós aprendemos na escola, que fala dos motivos políticos/religiosos de seu estopim, o porquê de pessoas se digladiarem dia e noite e não permitirem que ela possa acordar em sua cama quentinha e ter mais um dia comum.

Mas ela aprendeu como é a guerra e todo sofrimento que pode causar, conheceu sua pior face e ela, a menina que fugiu, nunca mais será a mesma.

Mais empatia, como seria?


O mundo precisa de mais amor, por favor. Precisa de compaixão, solidariedade, compreensão, paz, amizade... Sim, sabemos que ele precisa de tudo isso, no entanto - tenho pra mim - o que realmente o mundo precisa é empatia.

Empatia - estado de espírito no qual uma pessoa se identifica com outra, presumindo sentir o que esta está sentindo.

Se todos nós, criaturas pensantes, animais racionais pertencentes à raça humana conseguíssemos nos colocar no lugar do outro, sentir na pele o que o outro está sentindo, entender todo o contexto daquela pessoa, teríamos mais amor e não teria de ser um favor.

A humanidade vive uma era de ódio generalizada. Ódio político, ódio religioso, racial, homofóbico, misógino, xenofóbico, classicista, ódio por tudo aquilo que foge ao padrão e às convenções da sociedade ao qual se está inserido. Ódio ao oposto, ao diferente, ao politicamente incorreto, ao outro.

Se uma coisa está onde alguém acha que não deveria estar, ódio. Se alguém é algo que uma minoria não gostaria que fosse, ódio. Se emite uma opinião contrária, ódio. Se é, ódio. Se não é, ódio também. Talvez a solução seria não se importar tanto com o que não lhe diz respeito, parar de invadir o espaço pessoal alheio, cuidar da própria vida. Ser egoísta mesmo.

É melhor do que queimar um mendigo por ele estar deitado em uma praça pública. Ou espancar um gay por ele ser gay. Ou entrar em uma igreja atirando em todo mundo por todos serem negros. Ou invadir um trem e atacar um torcedor de outro time pelo simples fato de ele torcer para outro time.

Se todos nós tivéssemos a, não tão incrível, capacidade de nos projetar em outra pessoa ou, num dado momento, na pobre criatura agredida física, psicológica ou verbalmente, não chegaríamos a agredi-la. Se entendêssemos as necessidades e ansiedades alheias como se fossem nossas também, não chegaríamos ao ponto em que estamos hoje.

E, assim, quem sabe, a moça do tempo não seria execrada publicamente nas redes sociais, os inocentes cachorrinhos passeando no condomínio não seriam atacados a tiros por estarem passeando.

E talvez, só talvez, bananas não seriam atiradas no estádio de futebol, amigos não virariam inimigos por simpatizarem com partidos políticos diferentes, deficientes teriam suas vagas de estacionamento sempre vagas quando precisassem e mulheres não seriam estupradas por andarem de saia na rua.

Um país que vive à sombra de uma cultura de meritocracia e que não a comporta, pois é repleto de desigualdades, se conseguisse incorporar essa presunção de projeção, entenderia que qualquer coisa pode acontecer com qualquer um. Que o bullying não é divertido para quem sofre e que o contrário também pode acontecer.

Compreenderia que não se pode julgar sem conhecimento de causa. Que mulher não foi “feita para apanhar”, que nem todos têm as melhores oportunidades na vida e que “sucesso” pode ter semânticas diferentes. Um viciado em drogas não é, necessariamente, um bandido, mas apenas alguém que não teve escolhas. Um animal de rua não merece ser chutado por estar na rua, ele preferiria não estar.

E com mais empatia, como seria? Seria mais igualitário, mais coeso, mais tranquilo. Seríamos mais tolerantes. Valeríamos mais a pena. Guerras teriam sido evitadas.

Se essa ideia pegasse, professores não apanhariam de alunos e as salas de aula serviriam para ensinar e aprender. Se virasse hashtag, que está na moda, seríamos todos Charlies, Majús e Kalianes e uma criança não seria apedrejada ao sair de um culto apenas por pertencer a determinada religião. Como seria? Seríamos humanos, no sentido mais puro. Por favor, mais empatia!

terça-feira, setembro 11, 2012

Quebra-molas


E agora?
Questionamento conveniente. Daria pra acrescentar um “PQP, e agora?”, ficaria mais próximo do genuíno. Melhor não, deixaria com ar de desespero e não é o caso... Voltemos à questão.
Se minha querida avó materna estivesse viva, diria: “’Caga’ na mão e bota fora!”. Não, não era desbocada, sempre repetia tal frase aos sussurros e com as bochechas avermelhadas. Pobre avó, não está mais. Veremos se cabe.
Dia desses, dei-me conta de como são os adolescentes, cheios de perspectivas. Fazem planos. Muitos ou poucos, intensos, cheios de joelhos, nós e dobradiças. Cabem neles sonhos inteiros, projetos mirabolantes, metas bem definidas, objetivos cuidadosamente traçados, ilusões toscas e até a realidade. Cabe tudo que eles querem que caiba e ainda uma sobra.
Os jovens, independentemente da realidade em que vivam, sempre pairam sobre ela, sobrevoam-na, de soslaio, aquecidos em suas redomas de projeções, escondidos, espiando e esperando que acabe logo para que possam voltar a brincar. Pois sim. É isso mesmo. Voltar a brincar. Querem, então, regressar à infância. Querem ter quem os proteja ou ponha de castigo! Quem os pegue no colo ou os obrigue a terminar o dever de casa! Dê-lhes um beijinho de boa noite ou diga-lhes que está na hora de acordar! Querem, querem, querem, sempre querem em demasia!
Pobres adolescentes, já o tem.
Um bêbado põe-se a tentar atravessar um quebra-molas, sem saber se caminha ou se para, se dá um passo ou se pula, qual pé desloca primeiro, se o faz descalço ou calçado, se retorna ou mantém os dois pés prostrados no asfalto. Quem sabe se tiver um pouco de paciência, o quebra-molas se vai. Possibilidades inúmeras. O bêbado teria de escolher uma opção, mas não podia e, por não conseguir decidir o que fazer, sentou-se no meio da rua.
Pobre bêbado, atropelou-se.
Teria sido uma boa analogia para a pergunta que iniciou este texto? Um bom fim? Deveríamos nós, jovens ou não, sentarmo-nos no meio da rua? Já estaríamos sentados? Ou teríamos já deixado o quebra-molas para traz sem atinar? Em que momento devemos caminhar ou parar? Quando ir ou deixar ir? Por que não nos avisam que há quebra-molas? E por que tantas dúvidas? Pobres de nós, nunca sabemos o que fazer.
Sábia a avó materna sussurrante... E os adolescentes sôfregos... E o bêbado dubitável.

quinta-feira, dezembro 15, 2011

Intermitente

As lojas estavam todas prontas para as festas de fim de ano e brilhavam intensamente. A árvore de Natal tinha três metros de altura, bolas vermelhas e douradas, presentes enrolados com papel colorido e um enorme emaranhado de luzinhas que chegavam até a estrela e sumiam de vista. Uma criança desejava um carrinho na base da árvore, um vendedor apareceu à porta e a convidou para entrar. Enquanto decidia se continuava seu caminho ou entrava na loja, as luzinhas piscavam sem parar.

Essa intermitência arrebatou seus pensamentos rotineiros carregados de estresse e a prostrou, deixando-a apenas ali, parada, admirando o que via. Esse pisca-pisca a encanta de uma maneira infantil, pura, genuína. É uma daquelas coisas que te fazem sentir bem, sem razão, sem motivo, um bem intermitente, como as luzinhas piscando.

É assim todo ano na época do Natal. Enfeitar a casa, montar a árvore com muitas bolas coloridas, festões, enfeites diversos, presentes e luzes, muitas luzes piscando sem parar se tornou parte dela. Não acredita em nada que norteia o Natal, não é por isso que gosta, mas porque lembra sua infância.

Nos dias que antecediam essa data especial, todos precisavam se reunir e programar a festa, os presentes, a árvore, era algo que faziam juntos. Nunca acreditou em Papai Noel, não cabia esse tipo de projeção nas suas crenças infantis. Era desnecessário, já conhecia o mundo real, então tudo era feito de uma forma diferente da que vemos nos filmes.

Para começar, a árvore não era comprada, nem os enfeites. Era uma tarefa dos homens a de encontrar um bom galho para transformar em árvore de Natal, tinha que ser um galho seco, grande e com muitas ramificações. Enquanto aguardavam o galho ser trazido, sua mãe e tias fabricavam os enfeites em casa, eram caixas de fósforos, de sapatos, de remédios, de todo tipo ou formato, que seriam embaladas com papel colorido e encheriam a árvore e o cantinho dos presentes. Costumavam guardar, durante todo ano, embalagens que pudessem servir, como pacotes vazios de café, lacres de latas de leite ou achocolatado em pó, fitas e papéis de presentes de outras ocasiões entre outras coisas. Tornavam-se bons enfeites, com um pouco de criatividade, e isto não faltava àquela família.

Quando finalmente conseguiam o galho ideal, grande, desfolhado e ainda forte, traziam para ser preparado. Mãos ágeis o envolviam cuidadosamente em algodão até ficar branquinho e fofo como se estivesse coberto de neve, penduravam-no de cabeça para baixo no teto por um fio de nylon e era ali que começaria a se tornar uma árvore de verdade. Não havia luzinhas piscando, não que se lembre.
Enquanto tentava alcançar uma caixinha de fósforos embrulhada em papel laminado vermelho para ser colocada na árvore, se esticava para abaixar a ponta do algodão que estava soltando. Ao mesmo tempo em que pegava um pedaço de fita para fazer um laço - precisava participar. Mas alguém sempre tomava da sua mão e a incumbia de cuidar dos menores, o que não a impedia de bisbilhotar até que tudo terminasse.

Depois de montada, com todos os enfeites pendurados e erguida como se flutuasse acima das cabeças, estava pronta e começaria a fase dos comes e bebes. Era tudo feito por todos, sempre. Cada um tinha sua especialidade gastronômica. Sua tia estava na fase final do seu conhecido rocambole de pão colorido, uma espécie de sanduíche feito em formato de rocambole, enrolado em papel celofane colorido, recheado com alguma maionese e cortado em fatias. Puxava-se a ponta do celofane e à medida que se comia, ia desenrolando. Lembra que o vermelho, fatalmente, acabava primeiro e que cada cor era um sabor. Era difícil tirá-la de perto da mesa nessa hora e uma mãozinha boba sempre atacava a bandeja. Era seu preferido.

No dia da véspera, acordava com o som das vozes de suas tias tagarelando na cozinha, sempre bem cedo. Ansiosa, a casa cheia, cheiro de comida boa, os últimos retoques ainda em construção, ouvia-se muitas gargalhadas entre conversas e brincadeiras. O chinelo engancha no seu dedão ao se apressar para levantar, não queria perder nenhum segundo da farra. O desconforto matinal que nos obriga a ir ao banheiro antes de qualquer coisa não a impediu de correr para se juntar aos outros. Seria um dia inteiro de muita diversão e ela não perderia nada.

As crianças tinham poucas preocupações, sua tarefa era brincar e esperar a chegada da noite, onde ganhariam presentes, comeriam guloseimas e brincariam mais. Sabiam que não seriam grandes presentes ou muitos, e que os mais novos ganhariam mais, porém, não se importavam.

Quando a noite chegava, a mesa posta, o cantinho dos presentes cheio (dos verdadeiros e dos falsos - para fazer volume), a árvore lá no alto, linda e exclusiva, a família toda reunida em volta, rindo muito, contando piadas, comendo, bebendo, tirando fotos, trocando presentes... Era Natal!

Aquela noite teria a duração de algumas horas para ela, sua roupa de festa não era nova, nem a do seu irmão ou primos, a casa era pequena e simples e os presentes eram exclusividade das crianças. Eles não tinham luzinhas piscando, não tinham peru, presentes caros, ou uma pomposa guirlanda pendurada na porta. Não possuíam pinheiros comprados em lojas, bolas coloridas reluzentes, ou uma grande estrela brilhante no alto da árvore.

Nada disso fazia parte de seu mundo e não precisava fazer e, ela não sabia ainda, mas foram os melhores Natais que tivera.

Para muitos, aquela noite era só um motivo para festejar, para eles talvez fosse apenas um ritual, entretanto para ela era o Natal, desses que vemos nos filmes.

quinta-feira, setembro 08, 2011

A vida não maltrata, ela ensina


A vida nos endurece, nos torna rígidos em sentimentos, preceitos, decisões e atitudes, nos faz pessimistas. A vida nos amolece, nos torna sensíveis, carentes, condescendentes e otimistas. A vida pode nos tornar muitas coisas, boas ou ruins, grandiosas ou medíocres, pessoas fortes ou fracas, ignorantes ou sábias. Tudo depende do que aprendemos com nossas vitórias e derrotas ou do que deixamos de aprender.
Aprendi a seguir em frente sempre, e que as pessoas vão caminhar com você enquanto puderem, mas se isso as atrasar, elas o deixarão para trás e terão uma boa desculpa para isso. E não estão erradas, supere! Aprendi a desconfiar do caráter de alguém que não gosta de animais ou crianças, certamente, há algo de errado. Aprendi a não ir ao supermercado de barriga vazia, gasta-se o dobro. A não guardar mágoas ou alimentar desavenças, é burrice e perda de tempo, pois você sofre, a outra parte não sabe e o resto do mundo não liga.

Aprendi que passar uma tarde inteira fazendo merengue com meu avô para depois me lambuzar até enjoar pode ser maravilhoso, engorda, mas e daí? Aprendi também que você não deve permitir que ninguém te magoe, não importa o motivo, a decisão é sua. Que comprar pela internet é prático mas, quando dá problema, é bem pior de se resolver. Que não é errado se apaixonar, confiar, demonstrar, enlouquecer, o errado é não sentir nada.

Aceitei que datas comemorativas foram criadas pelo comércio para dar lucro, mas nos servem como pausas na vida e é um bom motivo para reunir a família e os amigos. 

Aprendi que fazer a coisa certa é gratificante, mas fazer coisas erradas pode ser bem interessante. Que ser impulsiva pode me trazer muitos dissabores, mas que os sabores que experimento tornam meu paladar mais aguçado. Que a maioria das nossas queixas de hoje serão as saudades de amanhã. Que uma pia entupida pode causar mais transtornos do que se imagina.

Percebi que um texto nunca estará terminado, não o suficiente para quem o escreveu, como este, por exemplo. Que temos que encontrar nosso lugar no mundo e que não podemos querer ser mais e nem menos do que nos cabe. Que caviar é ruim, apesar de bonito. Que maniçoba é uma delícia, apesar de feia. 

Entendi que enfrentar dificuldades na vida é péssimo, mas nos fortalece. Que a saudade pode ser devastadora. Que animais de estimação e amigos são uma verdadeira terapia. Que dinheiro não traz felicidade... Para quem já não era feliz.

Que posso passar horas apenas ouvindo minhas músicas preferidas ou lendo um bom livro ou apenas olhando o mar. Que dançar também é uma terapia, dançar compulsivamente. E rir, rir muito, gargalhar. E que chorar é preciso quando se está triste, com a alma dilacerada, é extremamente necessário chorar, copiosamente, feito criança, é a melhor maneira de desabafar e sarar seja o que for.

Tudo isso, aprendi com minha família, meus amigos, meus namorados, chefes, colegas, subordinados, vizinhos, professores, conhecidos, desconhecidos. Com livros, revistas, filosofia barata, jornais, gibis, Internet, cinema, programas de televisão, bulas de remédio, manuais de instruções, publicidade. Com a vida. Comigo. Com a morte.

A vida nos amolece, nos endurece, na verdade nos torna flexíveis. Algumas dessas coisas eu aprendi cedo demais, outras, tarde demais, outras não apreendi direito e preciso carregar uma “cola” para não esquecer. A verdade é que a vida não nos maltrata, ela nos ensina.

terça-feira, julho 19, 2011

Redes sociais e seu impacto no comportamento humano


Redes sociais! Ah, meus amigos, as redes sociais vieram com tudo. Todos, hoje em dia, fazem parte de algum tipo de rede social, ou quase todos. Elas chegaram pra viciar, preencher lacunas, distrair, aproximar, afastar, servem como um verdadeiro mostruário das vidas alheias, das alegrias, tristezas, vitórias, derrotas, agem como entretenimento para uns, necessidade para outros, mas têm sempre um motivo de ser. Não vou falar sobre o que eu penso delas, mas do que venho observando dos usuários enquanto passeio por algumas.

Há os que estão sempre alegres e saltitantes, esbanjando felicidade. Existe uma alegria exacerbada nessas redes sociais, onde fala-se muito sobre ser e estar feliz, como foi maravilhoso aquele final de semana, como está sendo fantástica a experiência de mudar de vida, como é espetacular estar apaixonado. Ok, coisas boas acontecem a todos nós, mas ninguém é feliz o tempo todo.

Em contrapartida, vejo os tristes e esquecidos pelo mundo, os pobres coitados que sofrem por amor mais que Julieta por Romeu, que trabalham mais que Noé na construção da arca e ganham menos que os Carmelitas Descalços. Eles estão sempre repetindo, por meio de aforismos pra enfeitar, o quão são castigados pela vida, sofredores, verdadeiros peregrinos da desilusão. Ora, também não se é triste em tempo integral.

Não podemos esquecer dos usuários esporádicos, aqueles que são muito ocupados ou apenas desprendidos desse tipo de coisa. Uns entram apenas pra cumprimentar a rede social: “Bom dia, Rede Social”,  e avisam que estão apenas de passagem. Outros dão as caras pra informar, literalmente, onde estão ou o que estão fazendo, (se estiverem fazendo algo de bom, é claro).

Podemos falar daqueles que gostam de relatar tudo o que fazem o tempo todo, a cada flash, um post, “Acordando...”, “Almocinho fit”, “Chegando na academia...”. E não estou exagerando. E os fofoqueiros? Esses estão ali única e exclusivamente pra ficar sabendo da vida dos outros, não postam nada, não falam com ninguém, vez ou outra tecem um comentário em uma foto que você publicou ano passado, (e eles encontram a foto porque ficam futucando seu perfil). Pois é, será que tudo isso é meramente virtual?

Têm também os baladeiros, sempre postando fotos de festas; os apaixonados, com mil declarações de amor; os desocupados, que postam o tempo todo (tudo que encontram na Internet) e comentam tudo de todo mundo; os trabalhadores, que postam apenas assuntos referentes ao ofício; os egoístas, que postam sempre, mas nunca comentam ou respondem o post alheio; os curiosos, que entram só pra ver como é e depois abandonam o perfil; os catequizadores; os pais, tios e padrinhos babões; os estressados, que usam o espaço pra desabafar ou esbravejar. Alguns usam pra conhecer pessoas, paquerar, outros até pra vigiar.

Há todo tipo de perfil nas redes sociais, todos se encontram, se completam, interagem, reencontram, discutem assuntos importantes, problemas, besteiras, riem, contam segredos, lançam indiretas, divagam, filosofam e, o mais importante, socializam.

Calma, não estou criticando as redes sociais ou seus frequentadores, até porque sou uma e já pratiquei grande parte do que foi citado acima. Mas é que é assim mesmo, são os novos tempos, as novas maneiras de interagir, abracemos as novas tecnologias e façamos bom uso delas! Só tomemos cuidado pra não tornarmos essa, a única forma de socialização.

quarta-feira, julho 06, 2011

Deixar ir...


Sinto o tempo todo essa angústia, esse vazio que não se preenche nunca, algo que não quer passar...

Não sei o que é ou de onde vem, mas sei que me impede, me atrapalha e me prende ao mesmo lugar. Preciso continuar andando, meu caminho é imenso, tenho um longo percurso, aborreço-me estando aqui, mas não vou.

Quero desesperadamente ir, tento me levantar, sair, ensaio uma corrida, pego impulso, me preparo para partir em disparada, mas permaneço sentada...

Como se não houvesse um caminho ou como se estivesse esperando alguma coisa, algo que me levasse ou me deixasse ir, que me desprendesse daquela cadeira, daquela posição de inércia, que me soltasse, me arremessasse assento afora ou, quem sabe, me desse rodas.

sábado, abril 09, 2011

EngarrafaMente

Engarrafamento

Nunca havia discorrido sobre engarrafamentos. Não sei por que, é algo tão presente o tempo todo, talvez por isso mesmo. Mas como é inconveniente, merece ser “mal” dito.

Primeiro, entendamos o motivo de eles ocorrerem. Um engarrafamento pode desencadear por vários fatores, poderia ser um acidente, uma sinaleira com defeito, uma passeata, uma festa de largo, um grande evento nas proximidades, uma briga no trânsito, ruas estreitas, chuva etc.

Mas, sempre que houvesse uma explicação, ele seria aceitável, concordam? Atrapalha, incomoda, atrasa, irrita, mas há como aceitar por que houve um estopim, houve uma causa, um porquê.

Agora, e quando não há motivo? Quando você fica parado por três, quatro, cinco horas em uma droga de um engarrafamento, perde o seu compromisso e nem fica sabendo por que perdeu? Aí é de matar. Mas acontece.

Vamos ao ponto de ônibus, espera-se cerca de 30 a 40 minutos o bus chegar, com as pernas e pés encharcados da chuva (sim, está chovendo), pois o ponto mais próximo não tem cobertura e os guarda-chuvas não “guardam” direito. Ele chega, você entra e o trânsito flui normalmente até que aparece, do nada, uma fileira imensa de carros, ônibus, motos entrecortando a fila e afins. Um belo e comprido engarrafamento pra embelezar mais ainda esse dia.

O que fazer nesses momentos? Rezar pra acabar logo? Huuummm... Não. Xingar o motorista? Ofender a mãe do cobrador? Seriam passatempos relaxadores, mas socialmente incorretos e não se pode deixar que pequenas coisas nos tirem do sério. Você, então, pensa no que o terá causado e começa a procurar pistas.

Começa a temporada de vendas dentro do buzão

Entra o cara do Manassés, o baleiro, o vendedor de “cheirinho”, o de canetas, o de picolés, aquele que só pede, aquele que canta pra ganhar algum e ainda vende o CD, o palhaço que ajuda uma casa de caridade, o menino do incenso, o do bombom, das canetas com calendário, do chaveiro, do massageador de cabeça etc. E compre, viu? Dá pra fazer cara de “mau-humor” também que eles não te abordam, mas não é aconselhável.

E o engarrafamento lá, imponente, todo seguro de si, mas você ainda vai descobrir o motivo. Então você começa a prestar atenção nas conversas alheias - não tem nada pra fazer mesmo - são reveladoras, engraçadas, escabrosas, vixe!

Melhor pensar na vida

Nas contas, nos quilinhos a mais, nos chifres, naquele vizinho que acabou de se mudar, no que terá para o almoço, pensar em como seu corpo está doendo de ficar em pé se segurando com um braço só e sendo espremido pela superpopulação do coletivo ou em como você tem que se esquivar de todos os homens que passam atrás, para não ser bolinada. Sim, você é uma mulher num transporte público cheio.

O engarrafamento, por sua vez, não dá trégua, ele te castiga, te mostra quem realmente manda e você atento, vai descobrir sua origem.

Hora de concentrar-se na rua, no movimento, na bela paisagem, nos motoristas buzinando e ofendendo uns aos outros porque estão atrasados, nos pedestres que atravessam correndo na frente dos carros, no carinha “bafando” a bolsa da senhora e saindo correndo. Outra opção é jogar, ouvir música ou falar com alguém ao celular e torcer para que ninguém te roube.

Poderia até dar uma cochilada se estivesse sentado pra não precisar sentir o cheirinho de 60 pessoas enclausuradas em um ônibus todo fechado por causa da chuva. Só que não.

O engarrafamento não tem origem

Todas essas coisas podem ser feitas para esperar o engarrafamento esnobe, insuportável e irritante acabar e, finalmente, desvendar seu mistério, suas raízes. Mas ele continua no comando, ele veio, te infernizou o dia e foi embora quando bem quis, sem você perceber.

As pessoas vão chegando aos seus destinos, você chega ao trabalho estressado e com aquela dúvida que não lhe sai da cabeça, por que carga d’água esse engarrafamento começou? Ô inferno!!! E se promete: Ahhh, mas amanhã eu descubro!!!

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Pedras no caminho


“O erro foi só esse. Pensar que me acompanhavas, quando eu seguia sozinha.”

Essa frase não é, originalmente, minha. Nem a pretendo. Só não sei por que não me sai da cabeça. Penso que deve estar impregnada de algo que deveria ter sido dito, feito, posto pra fora, jogado na cara aos berros, vomitado, excretado ou arremessado bem no meio da testa... Mas não foi.

Talvez não se tivesse o conhecimento ou discernimento necessário ou nem se soubesse disso, da frase, do algo impregnado, do erro ou talvez não tenha sido um erro. Ou será que acreditar no óbvio é um erro? Terá sido? Melhor pensar que o caminho foi solitário a perceber que a companhia não fez o bem que deveria, não seguiu ao lado.

Ao invés disso foi na frente o tempo todo, colocando pedregulhos dentro dos sapatos para que machucasse os pés ou pedras no caminho, para que tropeçasse. Se refestelando enquanto assistia a tudo com um imenso prazer. As pedras, elas eram sempre movidas para longe sem especulações de onde teriam vindo, eram apenas pedras.

As pedras cumpriram seu papel

Elas atrasaram, machucaram, fizeram calos, arrancaram as unhas, derrubaram e desviaram o percurso por diversas vezes, mas algo insistia em dizer o contrário, que elas estavam sendo, na verdade, tiradas para não atrapalhar. Não havia como imaginar tudo isso, essa carga toda pendurada nos ombros, todo esse rancor, essa mágoa, tudo que fez tão mal a todos.

Oras! Isso poderia ter sido resolvido, perdoado, apaziguado ou ignorado, teria sido tão simples. Não precisava tanto, já que atrapalhava, bastava que tivesse sido tirado do caminho e nunca mais trazido de volta. Acho até que foi feito, só demorou muito.

Agora já não importa, nada mais pode ser colocado ou tirado. Todas essas pedras, pepitas, rochas, pedregulhos, sejam elas granizo, de afiar, polmes, filosofal, preciosa ou qualquer outra, todas elas feriram muito. Mas também curaram, serviram de degrau, de ponte, de defesa e até de enfeite.

As pedras ajudaram a chegar a vários destinos, a atingir diversos objetivos e a concretizar toda essa realidade, seja ela boa ou ruim. Não foram erros, nem acertos, nem boas ou más companhias, nem a falta delas, foram as pedras, malditas ou benditas sejam as pedras.

terça-feira, setembro 07, 2010

Não teremos tempo

Há muito que falar sobre ela. Sobre a vida. Sobre como devemos aproveitá-la, o que devemos fazer, como viver, blá blá blá etc e tal. Todos estão sempre argumentando sobre isso, parece um mantra.
Sabe aquelas mensagens de motivação que recebemos todos os dias? Sim, porque eu recebo todos os dias, sempre dizendo as mesmas coisas e como é importante isso ou aquilo.

Enfim, pieguices de autoajuda que, às vezes (só às vezes), se fazem necessárias.

No entanto, há uma coisa que consegue definir tudo isso, tudo que deveríamos e não deveríamos fazer. E não me refiro à moral e bons costumes.

Não deveríamos fugir

Não deveríamos esconder, reprimir, omitir, silenciar, prorrogar ou guardar o que não serve ou não temos mais espaço, ou seja, não deveríamos esperar. Esperar por alguma coisa, por nada, por ninguém.

Por que temos mania de deixar as coisas para depois? O que nos faz pensar que teremos tempo? Por que insistimos em sermos otimistas? O otimismo é bom até certo ponto, mas só enquanto não nos paralisa, se passar disso, vira comodismo.

Esse tipo de pensamento age como um mecanismo de defesa, onde tudo aquilo que nos faz sofrer é "eufemismado". E funciona, é como se tomássemos um calmante ou fôssemos acarinhados quando pensamos positivamente, faz parecer que tudo que está acontecendo é um terrível pesadelo e que logo acordaremos.

Ser otimista em demasia nos leva a crer que tudo vai dar certo e que nada pode sair diferente daquilo que projetamos como real e concreto, que “Happy End” não acontece apenas nos filmes e novelas e que Papai Noel e Coelhinho da Páscoa existem.

Papai Noel não existe

Ora, acordemos! Não existem! Devemos nos preparar para o que está por vir, ainda que seja o pior. É cômodo empurrar com a barriga, é reconfortante achar que sempre poderemos esticar o prazo, chegar atrasados, ligar amanhã, começar na segunda, dormir mais um pouco ou acreditar que ainda não chegou a hora.

Tudo para não fazermos o que devemos fazer, para não assumirmos mais um compromisso, para descansarmos mais um pouco e não enfrentarmos aquilo que nos parece poder esperar. Não pode.

Não quero, com isso, estimular o pessimismo e levantar a bandeira do negativismo. Não é isso. Ainda creio que o pensamento positivo é importante e que funciona internamente. Mas as coisas não podem esperar, nós não podemos, e o tempo não pode e não vai nos esperar. Façamos, já.

quinta-feira, julho 29, 2010

Carnavalizou - é permitido pecar?


Já ouviu falar em Fastelavn, Saceias, Saturnália ou Entrudo? E Carnaval, já ouviu?

A origem do Carnaval é pagã, a própria palavra quer dizer “retirar a carne” ou se abster da carne, do latim, carnis levale. O objetivo dessa celebração sempre foi o de purificar os pecados, ou pecar o bastante para não o fazer o resto do ano. Nas suas diversas variações de tempo e lugar, seu propósito fora celebrar a fertilidade, se preparar para a quaresma ou saudar a natureza. A Igreja católica, por considerá-la uma festa profana, a incluiria ao calendário cristão, na tentativa de submetê-la aos dogmas religiosos.

Era na antiga Babilônia que aconteciam as Saceias, festividades onde os papéis se invertiam e os condenados ocupavam o lugar dos reis por alguns dias e estes, por sua vez, se subjugavam aos deuses.

Em Roma, haviam as Saturnálias e Lupercálias, onde os senhores e escravos trocavam de lugar. Na Escandinávia, existe até hoje a Fastelavn, festança com fantasias, comilança e muita diversão pelas ruas. No Brasil, haviam os Entrudos, trazidos pelos portugueses, que consistia em jogar farinha nas pessoas pelas ruas e brincar.

A festa do carnaval nos dias de hoje

O Carnaval de hoje em dia encanta pela sua extravagância, por ter e manter tantas pessoas juntas durante tanto tempo, por reunir, em sete dias (ou bem mais), gente do mundo todo em uma só cidade e por tudo ser permitido, ou quase tudo.

É, também, uma festa multifacetada, na qual as pessoas seguem verdadeiros rituais, fantasiam-se, ingerem todo tipo de bebida, externam amor e ódio, pulam, dançam, correm, tomam chuva, dormem no chão, abraçam (e beijam etc.) desconhecidos e retornam a sua condição primária, selvagem e atávica.

Definamos. São as sensações e atos que praticamos sem pensar, que apenas sentimos e simplesmente fazemos. E nesses dias específicos, elas podem.

O folião se despenca até lá de qualquer maneira para adorar ao seu ídolo, vê-lo de perto e, quem sabe, tocá-lo. Por sua vez, as celebridades fazem jus a toda essa adoração, manifestando suas vontades e fazendo com que elas se cumpram pelos seus súditos afoitos e fiéis.

São danças, passos ensaiados e verdadeiros gritos de guerra repetidos pela grande massa que se conglomera em torno dos trios elétricos e abaixo dos privilegiados que os assistem. Sem falar nos blocos de trio, onde a utopia desse culto ao profano atinge seu ápice e a multidão se entrega à loucura.

Imagine as mais libidinosas necessidades básicas inerentes aflorando e mostrando-se diante de tanto primitivismo. Tudo impregnado nesse grande show, nessa mega manifestação de desejos, secretos ou não. Naqueles momentos todos são iguais, não existe raça, cor ou credo que os distinga.

Camarote ou pipoca?

É claro que estou falando de uma maneira geral, e não dos blocos, camarotes, mezaninos, e diversos outros lugares onde os privilegiados se aglomeram e segregam o povo.

"Seus filhos erravam cegos pelo continente,
Levavam pedras feito penitentes,
Erguendo estranhas catedrais,
E um dia, afinal, tinham direito a uma alegria fugaz,
Uma ofegante epidemia, que se chamava carnaval,
Ó carnaval, ó carnaval."
Chico Buarque


Seria uma tentativa inconsciente de catarse social?

Penso que toda essa descrição do Carnaval lembra muito a forma como viviam nossos ancestrais em suas tribos e agrupamentos, civilizações que já desapareceram com o passar dos séculos, mas que estão presentes até hoje em momentos como esse.

Ocorre desde a adoração de ídolos em altares, passando pelas vontades cumpridas pelos súditos e danças, rituais e devoção sagrada até as formas de caracterização dos povos. Onde cada grupo pintava-se e enfeitava-se de forma diferente, utilizando adereços artesanais que muito se parecem fantasias dos carnavais contemporâneos. E que hoje chamamos de primitivos ou selvagens.

Podemos dizer que é um retorno às origens. É onde deixamos aflorar nossos instintos primários latentes e reprimidos pela sociedade moderna. É como exprimimos tudo que sentimos enquanto animais bípedes famintos. O que desejamos fazer, mas não podemos durante o resto do ano, coibidos pela moral e preceitos da civilização a qual fazemos parte.

Todo ser humano tem no seu âmago um pouco do que fora há milênios e, inconscientemente, deseja externar esses sentimentos e sensações tão confusos e tão comuns e o fazem durante o Carnaval. Ele retorna à sua condição de origem e, deliberadamente, sente-se aliviado.

Desprende-se de tudo que o exacerba e, assim, despeja naqueles sete dias de luxúria, aquilo que carregou e internalizou durante toda sua vidinha diária civilizada, morna, politicamente correta, pacata e medíocre.

terça-feira, julho 27, 2010

Eis que surge...

9 de julho de 1977, um jovem sobe num coreto, em pleno jardim do Meyer, Rio de Janeiro e começa a falar sobre Deus, fé e fé em Deus.

As pessoas se aproximam e querem ouvir o que está sendo dito por aquele rapaz tão determinado. Aquelas reuniões começam a atrair a atenção do povo, mas o jovem precisava ser ouvido por mais gente, o alcance de sua voz teria de ser maior. 

Então, dez de seus melhores espectadores decidem ajudar e começam colando cartazes nas proximidades, falando de seu propósito e fazendo propaganda boca-a-boca dos cultos.

O coreto, então, começou a ficar pequeno para tanta gente e o nosso jovem decide que precisa de um espaço maior, que pudesse abrigar as pessoas de bem que lhe seguiam. Resolve então alugar um galpão, contra tudo e contra todos que diziam ser loucura, que não teria condições financeiras para arcar com os custos etc.

O galpão enche de fiéis no primeiro dia e no segundo e cada vez mais. Surge a Igreja Universal do Reino de Deus, com o jovem Edir Macedo e seus primeiros “obreiros”, iniciando a propagação daquilo que se tornaria a maior religião neopentecostal da atualidade e a igreja que mais cresce e atrai adeptos no Brasil e no mundo. Hoje, é a principal concorrente da Igreja Católica no Brasil.

Li um tweet que dizia que a Religião é vista pelas pessoas comuns como verdadeira, pelos sábios como falsa e pelos governantes como útil.

Penso que tem sido bastante útil para mais gente...

domingo, julho 18, 2010

Desistir, questão de semântica

Penso que desistir seja sinal de coragem. É algo permanente. Permanente porque definirá um caminho a seguir. Quando se desiste de algo, perde-se tudo que poderia ter sido e nunca será.

Desistir pode significar perder a sua grande oportunidade, uma promoção, a epifania, a solução do problema, um grande amor, a condução, o jogo, o vestibular, o troco ou qualquer coisa que você precise ser covarde o suficiente para não desistir.

Tomemos como exemplo as guerras. Quantas batalhas foram vencidas ou perdidas porque o exército recuou, ou seja, desistiu?

Claro que o recuo foi uma estratégia militar, seja para seu fortalecimento ou porque estavam em desvantagem numérica ou bélica. Ou ainda para ter um elemento surpresa depois e o contra ataque definir a vitória, mas não deixou de ser uma desistência.

“Desistir” é uma palavra que carrega um estigma. O de algo que não pode ser feito por pessoas corajosas, perseverantes ou inteligentes. É sinônimo de fracasso.

A culpa é da própria sociedade

E dos pais, e da mídia, que nos ensinam desde crianças que não podemos voltar atrás numa decisão, chamam-nos “personalidade fraca”, ou não devemos trancar uma faculdade por que não nos identificamos com o curso, daí somos “os que não sabem o que querem da vida”. Somos rotulados de fracassados, covardes, medrosos, indecisos, inseguros ou acomodados.

Confesso que não gosto de desistir. Vejo-me como uma incompetente que não conseguiu aquilo que buscava. Mas fazendo um exercício de maiêutica sobre “desistir” cheguei à conclusão de que pode ser algo bom.

Quantos casamentos fracassados perduram apenas porque as pessoas têm medo de desistir deles? Quantos empregos medíocres são mantidos por profissionais que têm receio de algo novo? E as pessoas que passam a vida toda presas a conceitos e preconceitos somente porque não podem desistir do que lhes ensinaram como verdade?

E as religiões? Quantos que cresceram dentro de uma determinada doutrina junto com seus pais, não a deixam por medo dos buchichos? E aquele amor platônico, onde a pessoa passa anos tentando conquistar alguém que sequer sabe que ela existe?

Desistir pode ser a melhor opção

É uma questão de semântica. Se ao invés de “desistir” usássemos “mudar de ideia”, ou “retirada estratégica”, ou “respirar novos ares”, ou “seguir em frente”, ou ainda “parar de dar murro em ponta de faca”? (Essa é boa, né?). Quebraria o estigma e todos poderiam desistir sem ser massacrados.

A partir de hoje, não desisto de mais nada, vou extinguir essa palavra do meu dicionário. Vou avaliar a situação e ir até onde der, até onde o braço alcançar, até perceber que a faca pode machucar minha mão.

Não somos super-heróis e não podemos ter tudo que queremos, às vezes, precisamos ter coragem para admitir que chegamos ao nosso limite, que foi o suficiente. E inteligentes para perceber que já tentamos o bastante e que, se continuarmos, talvez não consigamos retornar.

Pode ser até que eu esteja interpretando mal a palavra, mas em alguns momentos, meu caro, é melhor “mudar o rumo”.

sábado, dezembro 08, 2007

São Joaquim da Bahia

Sou baiana.

Morei na Bahia, praticamente, a minha vida toda. E isso quer dizer alguns anos. Mas tenho um arrependimento, algo que não tinha importância há até pouco tempo atrás, apesar dos burburinhos que me rodeavam. Uma coisa que eu não tinha vivido ou sentido e que não me fazia falta, ou eu pensava que não. Comparo à sensação de comer lambreta! À primeira vista, causa má impressão e resistimos bravamente a ela, e enquanto não criamos coragem, não fede nem cheira. Só depois que comemos, descobrimos seu aroma!

Foi assim comigo e a Feira de São Joaquim. No decorrer dos meus alguns muitos anos de vida, eu nunca havia visitado essa feira tão famosa. Confesso que me surpreendi com o que vi e presenciei. Surpresa boa.

Cheguei à feira meio ressabiada com o que encontraria e logo fui abordada por um senhor de mais ou menos 45 anos, que parecia estar acostumado com visitantes como eu, que ficavam com cara de “E agora?” quando adentravam pelas barracas e se deparavam com tanta variedade de objetos e tanta gente diferente. Eu fiquei. Não sabia para onde ir ou o que fazer, e nem o que responder ao meu breve anfitrião, que ansiava por vendas. Resolvi caminhar pelos corredores estreitos e escuros, onde a única luz que entrava era a do dia. Eram vários e todos pareciam dar no mesmo lugar. Peguei uma linha reta e só parei no final da feira, na parte de trás, estava vazio. Precisava pensar meus próximos passos. Passei por galinhas de quintal, tigelas de barro, calcinhas e cuecas de todos os tamanhos e cores, pássaros, sapatos, gente carregando bezerro e estátuas que mostravam os mínimos detalhes do corpo humano, até os mais íntimos - se é que vocês me entendem.

De repente, avistei o sol. Nos fundos da feira, há um espaço aberto e deserto, onde não passam muitas pessoas. Foi onde encontrei Dona Nira, mãe de família, dona de casa, comerciante de temperos e, segundo ela, uma mulher realizada. Enquanto enchia saquinhos plásticos com folhas de loro, conversou comigo. Falou da sua vida, da sua família, seu trabalho, da feira e de como gostava de trabalhar lá, disse que aquilo lá já tinha mudado muito desde que chegara e que já tinha visto gente de tudo quanto é parte do mundo, mas gostava mesmo era de sua gente. Eu era como ela e fazia parte da sua gente, pensei, então percebi que estava em casa.

A primeira vez que comi aquele molusco visivelmente gosmento, levei à boca contra minha vontade e não esperava gostar, já tinha até um discurso pronto pra declarar a quem me obrigava a tal tortura. Mas gostei da danada da lambreta. Tem tudo a ver comigo e com os baianos, assim como a Feira de São Joaquim. Parece que não vai prestar, mas presta. Tem tudo que se precisa e precisa de tudo que tem. Dia desses volto lá e, no caminho, paro pra uma lambretinha.

quarta-feira, março 07, 2007

MALAS PRONTAS!


Comunico aos meus "amigos do peito" e aos meus "entes queridos", que estou de malas prontas!
Malas prontas?

É. Isso mesmo! Estou de partida mais uma vez e de vez, dessa vez. Já perdi as contas de quantas vezes repeti essa cena, mas confesso que faz tempo desde a última, e que o gênero deixou de ser tragédia. Gostaria muito de poder dizer que está tudo bem e que as coisas estão acontecendo, exatamente, do jeito que imaginei a vida inteira (e como imaginei!), não estão.

Talvez eu preferisse me fazer de vítima e dizer que não tive escolha, que a vida quis assim, que já estou acostumada! Oh! Como sofro! Também não. Chega de tragédias! Prefiro crer que chegou a hora e que estou pronta para tudo isso. Que o momento está sendo o mais oportuno possível e que o mundo continua girando. Na verdade, o meu mundo está girando, e não em volta do meu umbigo como todos insinuam, mas em volta da minha cabeça, e tão rápido que não consigo enxergá-lo. E se não o enxergo, não o compreendo.

Na verdade, nem sei se quero ou se é preciso compreendê-lo, quem sabe eu possa ignorá-lo e deixar que ele mesmo resolva desacelerar. Ou talvez a culpa seja minha mesmo e eu que não esteja mais conseguindo acompanhá-lo. Será? Dane-se! O mundo não vai mudar o seu ritmo por minha causa, muito menos o meu mundinho. Minhas malas já estão prontas sim e eu também, se não estiver agora, quando estarei?

O que é preciso para estar pronta para esse tipo de coisa? O que eu preciso ter ou fazer para ser o que estou me tornando agora? Acho que já tenho e fiz tudo o que era necessário, do contrário, não estaria acontecendo. Então, pé na estrada! Comunico, também, que vocês continuarão, e sem opção de escolha, sendo meus "amigos do peito" e "entes queridos" e que estou bem, do meu jeito, mas muito bem.

sábado, maio 13, 2006

Classe Média

Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o apartheid, a situação na América Central ou no Oriente Médio ou a grande aventura do homem sobre a Terra. Situa-se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média. Enfim. Aconteceu com um amigo meu.

Fictício, claro. Após o jantar. Onde fecharam um grande e lucrativo negócio, comemorado com muito uísque. Ele discutia com o sócio, dentre outras coisas, quem pagaria a conta lá no japonês. Resolvem rachar. E a proposta é feita.


Meu Amigo: - Não! Vou nada, rapaz!
Amigo Dele: - Por que não?
M.A.: - Porque não.
A.D.: - Deixe de ser teimoso, cara!
M.A.: - Não vou. Tá pensando que sou o quê?
A.D.: - Então tá bom. Não quer ir não vá. Não vou insistir.
M.A.: - Beleza!
A.D.: - Te pago uma, vai?
M.A.: - Não.
A.D.: - Uma grade!?
M.A.: - Não vou. Desista!
A.D.: - Por que não?
M.A.: - Já disse o porquê.
A.D.: - Não disse não. Só disse que não ia e pronto.
M.A.: - E não vou mesmo. Como é que você tem coragem de me fazer uma proposta dessas?
A.D.: - É um pedido desesperado! De um amigo!
M.A.: - Tá começando a apelar!
A.D.: - Nunca te pedi nada antes! Vai cara!
M.A.: - Para com isso rapaz! Deu pra fazer chantagem emocional agora foi?
A.D.: - Por favor!
M.A.: - Que diferença faz se eu for?
A.D.: - Ahhh! Então você vai?
M.A.: - Não. Só quero saber por que você quer tanto que eu vá?
A.D.: - Eu já disse... É meio estranho, quer dizer... É minha primeira vez!
M.A.: - Hahaha! Fala sério? Deixe de besteira rapaz! Não vai morrer por isso.
A.D.: - O que foi? Vai me sacanear agora é? Se não quer ir não vá, mas não precisa sacanear.
M.A.: - Não cara! Não tô sacaneando não... Hiiii! Ok! Você venceu!
A.D.: - Ok? Isso quer dizer que você vai?
M.A.: - Vou, pronto! Conseguiu! Eu vou com você.
A.D.: - Ok. Tá combinado. Nessa quinta-feira! Mas não vai contar pra ninguém!
M.A.: - Ok.
A.D.: - Hum! Pra falar a verdade, acho melhor eu ir sozinho.
M.A.: - Como? Você me convence a ir e agora quer ir sozinho? Nada disso, agora eu vou.
A.D.: - Não, tudo bem! É melhor você não ir mesmo. Eu vou sozinho. Acho que pegaria mal!
M.A.: - Ahhh! Agora eu vou sim. Depois de toda essa presepada!
A.D.: - Presepada? Você chama isso de presepada? Agora sou eu que não quer que você vá.
M.A.: - Que é isso rapaz?! Amigo é pra essas coisas! Vou sim.
A.D.: - É melhor não. Eu vou sozinho. Não quero que você pague mico lá.
M.A.: - Você que sabe! Se é isso mesmo que você quer? Vá lá!
A.D.: - É! Mas... Se você fosse junto seria menos constrangedor pra mim...
M.A.: - Ahhh cara! Bom! Se quiser esperar até semana que vem...
A.D.: - Semana que vem? Por quê?
M.A.: - É. É que... Bom... Acho melhor contar logo já que eu não sou o único...
A.D.: - Contar o que, cara?
M.A.: - É que eu liguei ontem pra esse salão e marquei hora pra semana que vem.